Há alguns anos, o filho de um dos meus doentes pediu-me ajuda: o pai, na altura com quase 90 anos e institucionalizado num lar, tinha encontros amorosos com uma utente. A direcção da instituição julgava este comportamento desajustado e impróprio de um velho, ameaçando que o expulsaria se não se corrigisse.
Os preconceitos acerca da
vida sexual dos idosos são bem conhecidos: nos velhos a actividade sexual é indecorosa, ridícula, inútil, prejudicial à saúde; o Dr. Sousa Martins considerava-a mesmo anormal e imprópria, como se pode ler nas sebentas das suas aulas na Escola Médico-Cirúrgica de Lisboa.
Daqui resulta, muitas vezes, que os próprios se envergonhem dos seus desejos e os neguem. Mas a realidade é bem diferente. O desejo sexual nunca morre.
O envelhecimento sexual do Homem começa aos 20 anos, progride no tempo, mas não se sabe em que idade se extingue. O interesse pelo sexo acompanha-nos ao longo da vida, embora condicionado pelo inexorável passar dos anos.
Na realidade, a baixa na auto-estima resultante da perda da
atracção física, da frescura e da beleza da juventude, tão importantes na nossa cultura e estreitamente relacionadas com a sexualidade, pode não ajudar. Mas, no caso das mulheres, a menopausa, por exemplo, prejudica mais a sua vida sexual sob o ponto de vista psicológico do que sob o ponto de vista hormonal.
Após a menopausa, aquelas que mantêm uma vida sexual regular conservam a sua capacidade
de líbido consideravelmente superior à das que a não têm. É absolutamente normal a mulher manter desejo sexual no climatério (fase da vida após a última menstruação), não é necessário nenhum tratamento hormonal especial para conservar a sua capacidade de resposta sexual.
No velho, como no jovem, o aparente desinteresse sexual não resulta do hábito, mas as mais das vezes do ressentimento, dos conflitos, das preocupações que tornam a relação sexual pouco procurada ou pouco interessante.
Pode haver algum desconforto durante a penetração. Em ambos, o orgasmo é mais curto e a fase pós-coito mais rápida. Mas a medicina actual permite melhorar alguns destes constrangimentos.
O sexo na velhice não é perigoso e os casos de morte súbita que são referidos durante as práticas sexuais ocorrem, a maioria das vezes, num relacionamento extraconjugal, em que a ansiedade, com todo o cortejo de reacções cardiovasculares que desencadeia (subida exagerada da pressão arterial e da frequência cardíaca), é a responsável.
A prática sexual não exige grande esforço físico. Quem tem autonomia para passear ou dançar sem restrições tem capacidade para uma relação sexual normal. Durante o coito, a frequência cardíaca é inferior à verificada noutras actividades da vida diária (discussão, condução, corrida para o autocarro, carregar as compras) e o consumo de oxigénio corresponde, aproximadamente, ao que se observa ao andar depressa, subir escadas ou realizar um trabalho normal.
A
actividade sexual não deve ser precedida de ingestão abundante de alimentos e álcool, deve evitar-se a tensão emocional elevada e, se necessário, procurar a posição de decúbito lateral, que exige menor esforço.
Mas o sexo na velhice estende-se para além do coito em si mesmo.
As carícias e a ternura de um relacionamento feliz são mais frequentes no idoso e acabam por conduzir, por vezes, sem ansiedade, a um acto sexual completo. A vida é uma sucessão de experiências, sexuais e de outro tipo, que na velhice já não são tão intensas como na juventude, mas que continuam a proporcionar prazer aos parceiros. E a experiência acumulada permite um relacionamento sexual mais diversificado e satisfatório. Quanto mais feliz e rica for a vida sexual, tanto mais durará.
Ao contrário do que ensinava o já citado Dr. Sousa Martins, a vida sexual na velhice é normal e saudável. Faz bem à mente e ao corpo. Tem uma tríplice função: dar prazer, ter prazer e servir de factor de união e comunicação entre os amantes.
Disso sabia Alçada Baptista, que nos deixou este belíssimo texto no seu livro "Tecido de Outono": «...Gosto de estar aqui contigo, fazer festas no teu corpo já cheio de tempo, apetece-me beijar-te porque estou a beijar a tua história pessoal, aquilo que viveste, as tuas alegrias e as tuas dores. É nestas coisas que sinto que envelhecer é uma arte e que o amor só se vive plenamente quando o desejo já não comanda o nosso encontro... Porque é que a gente demora tanto tempo a descobrir a vida, a saber o que é e o que não é importante?»
Texto de João Gorjão Clara (Médico e professor de Medicina Geriátrica)
Fonte: Revista Saúde